Minha mãe nos deixou uma carta de despedida

Entre a dor e a palavra, ela escolheu deixar amor.

Antes de ser entubada pela 2ª vez, minha mãe nos escreveu uma carta de despedida.

Quando a psicóloga nos avisou que minha mãe havia escrito algo e pedido para nos entregar, ela ainda estava acordada. Ela não disse do que se tratava, mas já sabíamos.

Essa talvez seja uma das memórias mais doloridas que tenho na vida.
O sentimento de abandono que “minha criança” sentiu ao ler aquela carta tomou conta e, logo em seguida, a raiva.

“Como assim vai desistir? Como vai nos deixar aqui sozinhos?”.
Isso se repetia na minha cabeça.

“Essa não é minha mãe”, eu pensava.

Mas era, sim.
E ter lido a carta foi a experiência que me permitiu conhecer tudo o que minha mãe foi, com suas forças e fragilidades. Me permitiu, finalmente (e de uma vez por todas), vê-la como um ser humano como qualquer um de nós.

Demorou para eu entender, mas a carta de despedida de minha mãe foi a maior prova de amor que ela já me deu.

Em meio ao medo, desesperança, desconforto e dor que ela vivia na UTI, ela pediu à psicóloga um papel e uma caneta para escrever.
A letrinha dela, tão conhecida por colocar nossos nomes em livros, toalhas e até calcinhas (para não trocar nas lavagens), escreveu suas últimas palavras.

Minha mãe honrou sua voz.
Ela tinha algo a dizer e não poderia deixar de dizer. Ela superou todos os seus limites e sintetizou em poucos parágrafos sua mensagem de vida: amor, dedicação e afeto.

Depois desta experiência, não me sinto mais no direito de não honrar a minha voz.

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Minha voz fala por mim, por minha mãe, por meus ancestrais, por toda a humanidade. Expressá-la - de qualquer forma - é meu direito e dever.

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Vou expressar o que vim expressar nessa existência até onde minha consciência permitir.

Nos despedimos do corpo, mas não nos despedimos da “voz” e “mensagem” de alguém.

Minha mãe deixou seu legado vivo em todos que a conhecem. Ela é minha maior inspiração para ser porta-voz da minha essência.

Eu sou seu legado, mãe. Você reverbera através de mim.

E, soltando a minha voz, espero incentivar você, leitor, a soltar a sua.